quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

IRC - 10% ou 10 medidas? Dicas ao Álvaro

Por Miguel Leónidas Rocha*
Por estes dias, muito se discute a proposta do Governo de estabelecer uma taxa de IRC de 10%, aplicável a novos investimentos e durante 10 anos. Sem querer comentar a bondade ou eficácia da medida, matéria que deixo a quem deseje proferir comentários mais conjunturais, tenho para mim que, se quisermos, de vez, reformular o IRC, devemos abandonar o décimo da unidade para a multiplicarmos por dez. Assim, apresento dez medidas para a reforma que se impõe.

1. Fazer o diagnóstico do País e do imposto
Já alguém olhou para a realidade do IRC? O IRC representa 14% do total da receita fiscal e é, a seguir ao IVA e ao IRS, o maior contribuidor para a receita tributária. De acordo com os dados oficiais de 2010, cerca de 10% das declarações com colecta de IRC são responsáveis por 81,7% da receita e 0,6% - apenas 1325 empresas - representam 53% da receita, pelo que o problema não está no agravamento ou desagravamento de taxas, mas em chamar à tributação todo um universo de empresas, maioritariamente de dimensão reduzida, que não paga imposto. E isso leva-nos à medida seguinte.

2. Alargar a base de incidência
A realidade mostra-nos que poucas empresas pagam muito IRC, sendo que, idealmente, como acontece em países como a Irlanda ou a Holanda, muitas empresas pagam "pouco" imposto societário, multiplicando receitas e dividindo sacrifícios. Esses países souberam atrair investimento estrangeiro, via regime fiscal favorável e estável, dois adjetivos desconhecidos do léxico fiscal nacional. Mas importa também alargar a base dos que realmente pagam IRC, pois o imposto parece dirigir-se a 10% dos seus destinatários. Mas como? Talvez começando pela próxima medida.

3. Tratar diferentemente realidades diferentes
Portugal tem um número reduzido de grandes empresas e uma miríade de micro, mini, pequenas e médias empresas, realidades tão díspares, todas sujeitas às mesmas regras fiscais. Antes da reforma de 1989, a Contribuição Industrial tratava diferentemente as empresas em razão da dimensão. Já no âmbito do IRC, instituiu-se um regime simplificado para empresas com volume de negócios até cerca de 150 000 euros, o qual foi revogado pelo Orçamento do Estado para 2010. Sugiro a reposição deste regime. 

4. Simplificar
A complexidade das regras contabilísticas e fiscais que suportam o apuramento do IRC pode ser aceite e justificável na determinação do IRC das grandes empresas, mas traduz um encargo adicional, pelos vistos, ineficaz, na tributação das mais pequenas. Mesmo nas empresas maiores, onde se justifica a tributação pelo rendimento apurado com base na contabilidade, há margem para simplificar e corrigir injustificadas injustiças, como as que passamos a indicar nas próximas quatro medidas.

5. Eliminar restrições à dedução de encargos financeiros
O Orçamento para 2013 vem criar uma limitação à dedução de encargos financeiros que excedam 3 milhões de euro ou 30% do EBITDA. Ora, encontrando-se as empresas portuguesas a suportar juros mais elevados pelos seus créditos que as suas congéneres europeias em razão do desgoverno orçamental do Estado, que lhes afeta o rating, não se compreende como o Estado as vem penalizar ainda mais, negando-lhes a dedução de parte desses juros.

6. Eliminar restrições à dedução de menos-valias fiscais de partes de capital - parte 1
As menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes de capital são, na melhor das hipóteses, dedutíveis apenas em metade do seu valor, podendo mesmo, em razão de determinadas circunstâncias, como veremos noutro ponto, não ser dedutíveis. Já as mais-valias de idêntica natureza são tributadas na totalidade, a menos que, e sujeita a condicionalismos, a empresa reinvista os valores de realização. Não se compreende que o Estado seja sócio nos ganhos, mas já não de igual forma nas perdas.

7. Eliminar restrições à dedução de menos-valias fiscais de partes de capital - parte 2
No caso de existirem relações especiais, como tal definidas no Código do IRC, entre comprador e vendedor das partes de capital, a dedutibilidade das perdas é, em regra, negada. Ora, especialmente nos casos em que o preço é formado em bolsa, não se compreende esta discriminação negativa, que obriga a vender a terceiros a preço inferior para garantir a dedutibilidade parcial das perdas.

1. Garantir a dedução integral das perdas de justo-valor em partes de capital
De acordo com a posição das Autoridades Fiscais já divulgada, as perdas de justo valor em partes de capital, reconhecidas em resultados, são dedutíveis em apenas metade do seu valor, não obstante representarem perdas potenciais. Já os ganhos de justo-valor apurados nesses instrumentos financeiros, incluindo os referentes a reversões daquelas perdas, são tributados na totalidade, gerando uma dupla tributação do rendimento de constitucionalidade, no mínimo, duvidosa. Impõe-se acção rápida nesta matéria.

2. Instituir o mecanismo do "ruling"
O sistema de "ruling" permite, através de um processo negocial, às autoridades fiscais e ao contribuinte firmarem o regime fiscal aplicável a determinada operação. Este é um dos mecanismos mais favorecedores da competitividade fiscal de países com fiscalidade mais atractiva. 

3. Assegurar a estabilidade fiscal
Após implementação de todas as medidas acima identificadas, importa refrear o fervor legislativo e conferir estabilidade à lei fiscal. A instabilidade a que temos assistido, com constantes alterações, ora de pormenor, ora de paradigma, afasta decisivamente o investimento estrangeiro, menos habituado a viver na constante incerteza. E, sem investimento estrangeiro relevante, a receita fiscal do IRC continuará a deteriorar-se.

Artigo: Jornal OJE 30/11/12, 09:58
 *Fiscalista - Partner da Deloitte 
 Por Miguel Leónidas Rocha*

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