sábado, 15 de dezembro de 2012

Morais Sarmento Cortes no Estado Social

                                                


Morais Sarmento: 'Não é preciso ir ao Estado social para cortar 4 mil milhões'
Teve a coordenação política na AD de Barroso e acha que este Governo descura a política. Oferece uma estratégia a Passos: como mudar as funções do Estado com menos dor.
O Estado precisa ser refundado?
Recuso-me a entrar numa discussão maniqueísta e viciada que reduz as funções do Estado às funções sociais. Há muito a fazer antes de ir às funções sociais. Devemos olhar para o Estado distinguindo três conjuntos de funções: as de soberania, as sociais e as outras funções.
Onde se devia cortar, então?
Nas funções de soberania, a rede diplomática é ainda hoje a de um país com ambições imperiais ou de potência regional. Manifestamente não é esse o tempo que vivemos. A Defesa não foi repensada desde que Portugal deixou de ter colónias. A redução das nossas Forças Armadas foi essencialmente na base e não na estrutura de comando. Quanto à estrutura administrativa, um país com a dimensão de Portugal tem um excessivo número de níveis. Eliminava pura e simplesmente o nível das freguesias e evitava esta discussão sobre se deve manter a freguesia ‘a’ ou ‘b’ e mantendo os serviços que prestam como serviços de primeira linha dos municípios.
E no segundo pilar?
As funções sociais devem ser a última área a ser tocada e devem sê-lo segundo uma lógica de necessidade das populações e de capacidade do Estado. Mas nas funções sociais não é de mudança de modelo que estamos a falar. É apenas uma adequação.
O terceiro pilar é o decisivo e nunca se olha para ele. É aqui que está a pressão burocrática do Estado. Se eu quiser pescar tainhas no Tejo tenho que pedir duas licenças a três entidades; se quiser dar 500 euros ao meu filho tenho que entregar uma declaração às Finanças. Há uma sobreposição do Estado na nossa vida. Este terceiro pilar é uma asfixia da sociedade em burocracia e em tempo. Em 2002, o Governo de Durão Barroso, em que participei, fez o diagnóstico. E começámos por dar um exemplo: privatizámos os notários. Por que é que 90% das funções da direcção-geral das Florestas têm que ser feitas por funcionários públicos? Ou a direcção-geral que trata das cartas de condução? Ou os pilotos dos portos? Se calhar não é preciso ir às funções sociais para encontrar muito mais do que os quatro mil milhões de euros que o Governo se comprometeu a cortar.
É no terceiro pilar onde se deve cortar mais?
O Governo não devia ter começado por ponderar as funções do Estado logo que tomou posse?
O Governo estava em estado de sitio a tentar refazer as contas e encontrar formas de imediatamente responder à troika. O debate devia ter sido lançado há seis ou nove meses quando António José Seguro começou a falar de crescimento. Era um tema que ligava austeridade a crescimento. Isso respondia politicamente ao PS. A resposta nunca devia ter sido o Governo cair na armadilha de dizer que a crise vai acabar no dia 24 ou 36 ou 48.
helena.pereira@sol.pt   

Vídeo da entrevista:     

http://videos.sapo.pt/GyZeK5DVCaulWpuLUYMU









'Autárquicas vão ser um trambolhão para o PSD
Sarmento prevê a perda de cerca de 60 câmaras nas eleições de Outubro do próximo ano. E o aumento da tensão social e política.
As autárquicas podem levar à queda do Governo, como aconteceu em 2001 com António Guterres?
O PSD não deverá ultrapassar as 90 câmaras, quando agora tem mais de 150. Está a ver o tamanho do trambolhão? Estou a dizê-lo a esta distância para frisar que é uma questão independente. Nas eleições autárquicas haverá uma combinação – ou tempestade perfeita, como se costuma dizer – pelo calendário: termina o ciclo dourado autárquico iniciado em 2001, há um conjunto de autarcas, os ‘dinossauros’, que não pode recandidatar-se e, em terceiro lugar, o ciclo governativo em que estamos.
E consequências se devem tirar da derrota?
Não pode ter as consequências normais em termos nacionais e de leitura de Governo. Não é responsabilidade de Passos Coelho que o ciclo dourado acabe aqui e que haja um signifcativo número de presidentes de câmara que cessam funções. Só é da sua responsabilidade um projecto governativo de restrição, austeridade, correcção e reforma. Nesse, eu sinto-me tão co-responsável como ele, como todos os portugueses se deviam sentir. Mas vai ser um carnaval político, com o país inteiro a reclamar o contrário do que eu estou a dizer. A única maneira de evitar isso é fazer já a discussão e a contextualização dessa possibilidade sem o frisson e o enervamento dessa altura.
Não teme a contestação da rua e a perda pura e simples da autoridade do Estado?

Temer, não temo, mas vamos ter elevação da tensão social. O 7 de Setembro – o discurso do primeiro-ministro sobre a TSU – marcou a relação deste Governo com o país. Os americanos tiveram o 11 de Setembro, nós tivemos o 7 de Setembro. Passou a haver uma leitura diferente de Passos Coelho e do Governo por parte do país. Antes, as pessoas achavam que a responsabilidade da situação em que estamos estava lá atrás. Era de José Sócrates, Durão Barroso ou Vítor Constâncio. A partir de 7 de Setembro os portugueses passam a ter um problema não com o passado mas com aquele primeiro-ministro que lhes diz o que lhes diz. Em Fevereiro ou Março é que teremos consciência da segunda pancada que levámos por força do OE. E haverá um aumento de tensão política por arrastamento, o que vai coincidir com a aproximação dos números da execução orçamental do primeiro semestre. Mas, mesmo assim, acho que a relação dos portugueses com o PM está mais preservada do que a relação com o Governo. Passos Coelho foi capaz de estabelecer uma relação directa com os portugueses, que tem a ver com uma postura de abertura, de ser claro e relativamente frontal. Vêem-no como um deles. Percebem que não é um homem que se tem guiado por motivações de enriquecimento ou de glorificação pessoal. Essa relação não está de todo perdida, mas alterada.
E como vêem Vítor Gaspar?
Como um homem sério e empenhado. Mas, como todos os ministros das Finanças, ficou prisioneiro das suas próprias intervenções. Como temos uma situação muito volátil algumas previsões não se concretizaram, umas por erro de cálculo, outras independentemente dos seus cálculos. Isso riscou uma situação de confiança absoluta. Os portugueses ficaram preocupados. Quando se entregam nas mãos de Vítor Gaspar esperam que bata tudo certo porque ele é a nossa segurança.
O Governo está a aproximar-se das suas posições sobre a RTP?
Não percebi ainda qual é a solução, mas espero que seja rapidamente tomada. Há duas soluções que combaterei politicamente: a privatização total ou a concessão total. É um erro. A manutenção de um serviço público ainda é uma questão de identidade. O único activo maior que o nosso território é a língua portuguesa. Se nos quisermos desvitalizar ainda mais é acabar com a RTP.
helena.pereira@sol.pt



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