domingo, 5 de maio de 2013

Versos Balada dos Aflitos Manuel Alegre

Balada dos Aflitos

Irmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas - dizeis - e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
gostaria de vos dar outros recados
com pão e vinho e menos mais valia.


Irmãos meus que passais um mau bocado                             
e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.


Talvez Deus esteja a ser crucificado                                                                 
neste reino onde tudo se avalia
irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.                                                    

Rogai por nós Senhora dos Aflitos
em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos
em nós mesmos perdidos e cercados
venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.
( Manuel Alegre)      


   A Dor
Estão a impedi-lo de nascer
estão a matar o que já foi.
Como ferida em todo o ser
Portugal dói. 
 12-09-2013 Manuel Alegre   



VENDEU-SE
E Portugal vendeu-se
como prostituta de rua
num catálogo mundial.
Vendeu as joias, as artes,
a mente, o corpo
pelo preço mais barato .
Olhou de lado, emigrou,
para preservar alguma coisa ,
para guardar os filhos seus,
aqueles melhores que tinha
no seu colo mundial
na esperança de vê-los
um dia a voltar ao ninho.
Vendeu o corpo de séculos,
vendeu a força que foi sua
do suor de quem trabalha
e constrói na sua terra
aquilo que chama seu.
Vendeu, com lágrimas,
todos os seus carinhos.
Vendeu vetustas heranças
pelos reis conseguidas
em pedra e cal construídas
de ouro e prata lavradas,
para pagar a factura
de ser chamado de igual.
Parceiro sem valimento,
da usura mundial.
Vendeu o suor dos mineiros
que, outrora eram vendidos
em paga de ouro de lei.
Vendeu os mortos das colónias
filhos da terra Natal,
vendeu mares, vendeu ventos,
vendeu homens e pensamentos.
Em troca de quê? Não sei.
De um retorno à servência?
De um abraço do diabo?
De Homens dormindo ao relento?
De um ódio desbocado?
De uma Nação sem alento?
De um povo todo escravo?
Vendeu-se com roupas leves
como uma meretriz
pagando os próprios opróbios
deixando o freguês feliz.
Helena Guimarães




Para encher este dia tão chuvoso e melancólico de uma justiça poética aqui vai:
Habeas Pinho
Na Paraíba, alguns elementos que faziam uma serena foram presos. Embora liberados no dia seguinte, o violão foi detido. Tomando conhecimento do acontecido. o famoso poeta e atual senador Ronaldo Cunha Lima enviou uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, solicitando a liberação do instrumento musical.

Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa
O instrumento do "crime"que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.
Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.
O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.
O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão
Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.
Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.

O juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha LIma: o verso popular.
Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar á porta do Juiz.


QUARESMA
Sento-me aqui no chão
ao pé do madeiro
onde estás crucificado.
Não vou ajoelhar
porque és meu irmão
pela ralé seviciado,
filho de um Pai
que te deixou cair,
como anho imolado
no altar do sacrifício.
Um mártir necessário
para unir os cacos
dos vasos de Deus.
Sento-me aqui
aos pés do teu madeiro,
a pensar que foi em vão.
De tanta sevícia não há perdão,
que a humanidade quer
um mártir qualquer
para espiar o seu pecado,
desde que não seja no seu adro
a escolha, a pesca, a definição.
Sento-me aqui
aos pés do teu madeiro,
onde te esvais, abandonado
dos teus afins, dos teus apaniguados,
sozinho, como qualquer humano
em sua signa, que luta pelo que o anima
que o faz ser em sua existência.,
mas foge à expiação.
Não tens amigos, que os amigos
se escondem na hora da tempestade.
se coarctam, se somem na luta
para se defenderem na disputa,
e depois te enterram
ungindo-te com os óleos santos.
Esperam que, com o beneplácito do Pai,
ressuscites das trevas
e limpes, com o teu sacrifício,
os pecados deles
a sua ganância, o seu desperdício,
a sua luxúria, o vão artifício,
numa egoísta quimera.
Sento-me aqui no chão
ao pé do teu madeiro,
meu irmão mártir
do tempo, da Humanidade,
que não descobre caminho
nem sendeiro
que a leve, hoje em desalinho,
ao redesenho da felicidade,
ao conseguir ser gente
no nevoeiro, na adversidade.
Ser Homem, ser Mulher em Maiúsculas
sem minúsculas e sem esdrúxulas.
Helena Guimarães




DESPOJADO
Estavas alí solitário,
a cabeça inclinada
na aceitação do sacrifício.
O soluçar sem artifício
a angústia silabada,
o cumprir do teu calvário.
Alí, projectado no madeiro,
bebendo a agonia lentamente,
abandonado pela Divindade,
viveste a morte a tempo inteiro
e, surpreendentemente,
resgataste a Humanidade.

A vítima imolada
a humanidade despojada
em lacerada nudez..
Nunca em teu viver de profecta
tua doutrina de asceta
teve tanta limpidez.
Pois, só nu dos bens terrenos,
matéria ao espírito imolada,
na aceitação da mortalidade,
pode o Homem, como o Nazareno,
desbravar humilde a caminhada
e descobrir a Divindade!
Helena Guimarães



25 DE ABRIL
O Céu chorou por Portugal
nas comemorações da Revolução!
Das nuvens caíram lágrimas,
o vento rodopiou o demo.
Dos olhos nasceram fontes
de raiva, de fome e impotência.
O Povo reclamava o pão
a casa, a justiça, a educação,
o seu suor pago com dignidade,
a capacidade de ser com igualdade.
Pelas ruas, num só grito
caminhavam de mãos dadas,
cantavam de Abril as alvoradas
de um porvir de Esperança,
o direito de ser um cidadão.
Na Casa Do Povo, sem alegria,
soluçava a democracia,
engalanada de discursos doutos,
cortados os rubros cravos
pelas mãos dos loucos.
O Céu chorou por Portugal
nas comemorações da Revolução!
Helena Guimarães
25 de Abril 2015


        PRENÚNCIOS DE OUTONO.
O Verão declina
a temperatura é amena.
o bulício acalma.
Hora de reflexão!
Senhor, Deus meu,
estás a tirar um cochilo.
Já não tens mão
ou não mandas já
na tua criação?
O demo anda à solta!
De armas em punho
dízima os teus.
Deixaste que o Homem
o ser inteligente,
em ganância crescente
escravizasse o Homem
destruísse a terra
e até o Universo.
Não há expressão em verso
de tamanha lonjura!
Não vês as crianças,
que são inocentes,
serem vomitadas
pelos mares de amarguras
nas praias da Grécia?
Crianças inumadas sem pátria
nem flores,
sem lágrimas dos seus,
sem história, perdidas,
vidas em botão cortadas
num holocausto mundial.
Senhor,
Sem missa nem hóstia de pão,
que o cordeiro do sacrifício
é um povo,
um cordeiro novo
na ara do sacrifício,
não uma fabulação.
Foge da morte
e experimenta o Inferno.
Voltamos ao Deus de antigamente
antes do sacrifício do filho,
que precisa de cordeiros novos,
para apaziguar os desejos
da ara, do sangue, do sacrifício
de lavar os pecados com inocentes,
porque o sangue dos inocentes lha apraz?
Senhor, Deus meu,
pega nos raios e nas tempestades
submete a Ti as deidades,
e liberta o povo teu.
Não queremos um holocaustro.
Queremos os vendilhões açoitados
e paz e amor no Universo
para conseguirmos num verso
aceder à Liberdade!
Helena Guimarães                                                

2 comentários:

  1. Não era este senhor que ia formar um partido independente quando o governo era PS. Que lhe aconteceu ? Tratava-se apenas de arranjar "material" e inspiração para os versos ?

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  2. É uma pena o poeta ter acedido à tentação do poder e ter-se esquecido que era afinal um grande poeta.
    Os mais novos e os mais afastados do ambiente político de antes de 25 de Abril não sabem nem fazem ideia da importância e da grandeza deste homem que depois se esvaiu por aí sem honra nem glória.
    J. Monteiro

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